Há quem tente me fazer acreditar que eu não levo uma vida tão interessante assim.
Os exemplos à minha volta são de pessoas coradas sem blush, com cílios de boneca sem máscara e pele de pêssego ao natural.
Querem me fazer crer que só eu acordo com o rosto amassado e com o cabelo desgrenhado.
Eles me dizem que suas vidas são badaladas, que dormem 5 horas por noite - porque dormir é para os fracos.
Circulam pelas colunas sociais, sorrindo mais dentes do que a boca consegue suportar.
Desfilam com réplicas – algumas é verdade são até bem feitas – saltos agulhas e pesagem 38.
Mostram-me que suas companhias são melhores que as minhas, que seus relacionamentos são melhores que os meus.
Amam-se demais, à si mesmos e aos seus parceiros e me juram que aqui a recíproca é muito verdadeira.
Alguns me condenam por eu não ser afeiçoada à onda workaholic e a todo custo tentam me mostrar o quanto eu estou fora de moda.
Meu lugar devia ser outro.
Eles não precisam de terapia, de um ombro amigo e nem de um chocolate consolo.
Filmes? Livros? Música boa (cada um elege a sua própria música boa)?
- Nada disso, estás por fora querida! É isso que eu escuto.
Uma vez me forçaram a usar as lentes de contato - usar óculos em sábado é matéria proibida.
Não adiantou dizer que eu sou míope, era melhor eu me aperfeiçoar nessa arte.
- Isso, se aperfeiçoe. Saia de casa, conviva conosco. Somos descolados e bacanas.
Mas eu não fiz nada disso, excetuando é claro as lentes de contato, são muito práticas.
Acontece que eu gosto do aconchego do meu eu.
Gosto das minhas bandas, dos meus amigos e dos meus programas.
Eu não preciso gritar por aí que eu sou realizada na minha profissão, que eu tenho os melhores amigos, que eu tenho a melhor família ou que eu tenho o melhor namorado – tampouco, eu preciso sair por aí anunciando que o meu pet é o mais fofo.
Eu levo uma vida simples. Com algumas frescuras, sim, ninguém é de ferro.
Tenho as minhas neuras, tenho as minhas dúvidas. Tenho as minhas segundas-feiras badaladas e meus sábados de solidão.
Preciso de máscara para destacar os cílios e não raras vezes lápis para demarcar a sobrancelha.
Tenho aborrecimentos, discussões, muitos contratempos.
Mas também tenho lindos dias de sol e um sem número de noites estreladas, e pasmem : cadentes!
Tenho relações confortáveis e completas, que me cobrem por inteiro.
Meus carnavais podem não ser os mais coloridos, mas as minhas quartas-feiras de cinza nunca são nubladas...
E no fim de tudo, eu acho mesmo que gente como a gente, que não se rende a pouco e nem por pouco, são pessoas bem interessantes...